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“A principal pauta demandada pelo público LGBTQIA+ em relação aos cartórios é a possibilidade de retificação para gênero não binário”, afirma advogada especialista em direitos LGBTQIA+

Especialista destaca a falta de regulamentação a nível nacional para retificação do gênero não binário

 

Ainda não há regulamentação no Brasil para retificação do gênero não binário nos documentos, no entanto é possível realizar o procedimento em alguns cartórios de registro civil. Para a advogada especialista em direitos LGBTIA+ e co-fundadora da Bicha da Justiça, Bruna Andrade, a retificação deve ser vista como a principal demanda para a população LGBTQIA+ no registro civil brasileiro.

 

“Acredito que a principal pauta demandada pelo público LGBTQIA+ em relação aos cartórios que ainda não foi reconhecida como um direito é sem sombra de dúvidas a possibilidade de retificação para gênero não binário. Com certeza esse seria o grande próximo desafio”, afirma Andrade.

 

A Corregedoria Geral da Justiça de Rio Grande do Sul, através do Provimento N° 16/22, assegurou que pessoas não binárias alterassem seu prenome e gênero no registro de nascimento, de acordo com sua identidade autopercebida, independentemente de autorização judicial, permitindo incluir a expressão “não-binária” no campo de sexo, mediante solicitação do interessado em cartório. Porém, esse direito, segundo a especialista, deve ser ampliado para todo o Brasil com a possibilidade de adotar o gênero não binário em todos os documentos.

 

“A gente tem alguns estados em que isso é possível fazer direto no cartório, mas é preciso que esse reconhecimento aconteça de forma completa com essa possibilidade em todo o território nacional”, destaca a advogada.

 

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela possibilidade de alteração administrativa do registro civil do prenome e do gênero com base na identidade autopercebida. Entretanto, as normativas administrativas vigentes não abordam expressamente a hipótese de registro de pessoas cuja identidade autopercebida é não binária, o que as tem obrigado a buscar a esfera judicial.

 

Bruna Andrade, advogada especialista em direito LGBTQIA+ e co-fundadora da Bicha da Justiça

 

Leia a entrevista completa:

 

Arpen-Brasil – De que forma a aprovação da união estável entre pessoas do mesmo sexo, em 2011, facilitou a autorização do casamento homoafetivo dois anos mais tarde?

 

Bruna Andrade – Historicamente, a conquista dos direitos LBGTQIA+ tem sido paulatina, aos poucos, justamente por conta do impacto social que esses direitos geram, principalmente quando falamos de um país extremamente preconceituoso como é o Brasil, que há anos ocupa o primeiro lugar entre países que mais matam pessoas LGBTQIA+. A primeira grande decisão, em 2011, que reconheceu a possibilidade da união estável foi um passo significativo para chegar na possibilidade do casamento entre pessoas LGBTQIA+. Foi um passo necessário, principalmente em razão do contexto histórico. Embora a união estável tenha a mesma proteção jurídica, ela é compreendida como uma forma de união um pouco mais socialmente aceita que o próprio casamento, que está ainda muito associado às instituições religiosas. Então foi sim um avanço significativo e avanço acabou culminando na possibilidade do casamento.

 

Arpen-Brasil – Nove anos após a aprovação, quais foram os principais avanços dos direitos LGBTQIA+ no país?

 

Bruna Andrade – A partir da primeira grande decisão, que é a união estável, e a segunda grande decisão foi a possibilidade do casamento entre pessoas LGBTQIA+, a próxima grande decisão foi em 2015 que reconheceu a possibilidade de casais LGBTQIA+ adotarem. Até então, essa adoção acontecia apenas de forma unilateral. Então para a constituição de famílias foi um passo significativo. Em 2018 tivemos a decisão que permite a retificação de nome e gênero direto no cartório. Em 2019 tivemos uma das mais importantes que é aquela que criminaliza a LGBTfobia equiparando ao crime de racismo. É um marco extremamente significativo na luta por reconhecimento dos direitos LGBTQIA+ e do combate ao preconceito. A gente teve também em 2019 uma readequação da classificação da OMS em relação à transexualidade, que entrou em vigor de forma definitiva em janeiro de 2022. A transexualidade deixou de ser uma doença mental e passa a ser compreendida como incongruência de gênero e isso gera um impacto significativo para a saúde das pessoas trans e, principalmente, para a proibição de qualquer tipo de tratamento de reversão da identidade de gênero. Em 2021 nós temos uma decisão em que se permite a doação de sangue por homens que mantém relações sexuais com outros homens. Essas foram as grandes conquistas.

 

Arpen-Brasil – Os cartórios de registro civil são protagonistas na realização de atos voltados a população LGBTQIA+, como o casamento homoafetivo e a mudança de gênero. De que forma você avalia o papel das serventias extrajudiciais na garantia de direitos da comunidade?

 

Bruna Andrade – O protagonismo prático, operacional, é de fato feito pelos cartórios por meio dos serviços cartorários. Mas a gente também tem o protagonismo judicial muito grande porque isso só é possível quando a gente tem as diretrizes judiciais ou decisões judiciais que estabelecem essa possibilidade. De modo geral, traz essa desburocratização de como esses direitos são reconhecidos, traz a possibilidade das pessoas LGBTQIA+ terem acesso a eles sem necessariamente precisar do um suporte de um advogado.

 

Arpen-Brasil – Desde maio de 2013, mais de 85 mil casamentos homoafetivos foram realizados no Brasil. Acredita que, se houvesse uma lei, esse número poderia ser maior? Qual seria a relevância em ter uma legislação que protegesse esse direito?

 

Bruna Andrade – Acredito que a legislação é extremamente importante para um país como o nosso de tradição romana em que saber onde está escrito o direito é significativo para que se tome decisões de implementa-los ou não. Existe ainda muito desconhecimento sobre a existência da possibilidade de se casar, reconhecido como um direito previsto enquanto provimento do CNJ, mas o Brasil é um país legalista. Então, se nós tivéssemos esse direito reconhecido através de lei isso geraria um impacto na procura pelo casamento entre pessoas LGBTIA+.

 

Arpen-Brasil – Em 2018, o STF decidiu que pessoas trans podem alterar nome e gênero no registro civil sem que se submetam à cirurgia. Após quatro anos, como essa medida refletiu na comunidade trans?

 

Bruna Andrade – Sem sombra de dúvidas a possibilidade de retificação direto no cartório facilitou a vida de pessoas trans, gerou mais acessibilidade, um volume maior de retificação. A gente teve avanços significativos, mas a gente ainda está muito longe do que seria o ideal, do que seria recomendável para implementação desse direito. O fato de ser em cartório era justamente para gerar essa acessibilidade.

 

Arpen-Brasil – Existem outras pautas que são demandadas pela população LGBTQIA+ e que necessitam do suporte do Registro Civil?

 

Bruna Andrade – Acredito que a principal pauta demandada pelo público LGBTQIA+ em relação aos cartórios que ainda não foi reconhecida como um direito é sem sombra de dúvidas a possibilidade de retificação para gênero não binário. Com certeza esse seria o grande próximo desafio. A gente tem alguns estados em que isso é possível fazer direto no cartório, mas é preciso que esse reconhecimento aconteça de forma completa com essa possibilidade em todo o território nacional.

 

Fonte: Assessoria de comunicação – Arpen-Brasil