Um marco para a comunidade que reside no município do sudoeste baiano, juiz Mário Soares Caymmi Gomes comenta como foi realizar a cerimônia
“E a gente vai à luta e conhece a dor, consideramos justa toda forma de amor”. Esse trecho da música de Lulu Santos representa um pouco da luta da comunidade LGBTQIAPN+, que está sempre em busca pelos seus direitos perante a sociedade. No dia 14 de maio de 2022, a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), completou 9 anos. A norma obriga os cartórios a realizarem casamento entre casais do mesmo sexo, sendo não mais necessário o casal entrar na Justiça para que a união seja reconhecida.
Em 2020, os casais LGBTs de Vitória da Conquista (BA) realizaram um grande sonho. O Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC) do Poder Judiciário da Bahia (PJBA), juntamente com a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), organizou o primeiro casamento coletivo LGBTQIA+ no município. A celebração foi feita pelo juiz Mário Soares Caymmi Gomes, que é o presidente da Comissão para a Promoção de Igualdade e Políticas Afirmativas em Questões de Gênero e Orientação Sexual (Cogen) do PJBA.
Em entrevista à Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen/BA), o juiz Mário Soares Caymmi Gomes falou sobre as ações da Cogen e da importância do casamento coletivo para a comunidade LGBTQIA+.
Leia a entrevista na íntegra:
Arpen/BA: Em novembro do ano passado a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), junto ao Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos (CEJUSC) do Poder Judiciário da Bahia (PJBA), organizou o primeiro casamento coletivo LGBTQIAPN + em Vitória da Conquista. Qual a importância desse ato para a comunidade LGBTQIAPN +?
Mário Soares Caymmi Gomes: Infelizmente ainda existe muito preconceito para com a população LGBTQIA+. O Brasil é o mais que mais mata essa população no mundo. Por isso, ainda existe muito medo de assumir quem se é. A experiência do casamento coletivo busca fortalecer a vontade de mudar, de sair do silêncio, de ser visto como pessoas LGBT e, ainda, digna de direito e respeito, como qualquer outra.
A organização de uma experiência coletiva como essa é crucial para que se possa mudar a forma de perceber esse público. E mais especial ainda, na minha opinião, é a possibilidade que eu tive de celebrar essas uniões, e mostrar a todos que nós, LGBT, podemos ocupar todos os espaços, seja como juiz(a), promotor(a), profissões em que é raro ver pessoas assumidamente homoafetivas ou transgênero circulando.
Arpen/BA: Quais são as ações promovidas pela Cogen?
Mário Soares Caymmi Gomes: A Cogen tem como uma de suas missões mais importantes promover ações educativas para o público do Poder Judiciário da Bahia. Para isso já fizemos vários cursos on-line, o mais recente deles o que debate o Filme “Maria Luiza”, a primeira militar a fazer a transição de gênero na ativa. Além disso, temos buscado implementar políticas afirmativas dentro do Poder Judiciário, voltadas para a diversidade e igualdade no ambiente corporativo. Entre essas destacam-se: pedido para que sejam instaladas placas nos banheiros, informando que “aqui nós respeitamos a sua identidade de gênero”, para que travestis e transexuais tenham conforto e segurança em usar o banheiro correspondente à sua identidade de gênero; pedido para que seja implementada cota de 1% de vagas nos concursos para juiz, servidor, estagiário e nas contratações de pessoal por tempo determinado e locação de serviço, entre outras.
Há previsão para que a Cogen faça visitas a presídios para verificar o cumprimento da Res. 348/2020, o que será feito agora que houve uma melhora nas condições sanitárias para que isso ocorra. Também há previsão no ato de sua criação para que seja instalada uma Câmera de Mediação em questões de identidade de gênero e orientação sexual, visando dirimir conflitos que possam vir a surgir, especialmente a partir da incorporação ao pessoal de pessoas transgênero.
Arpen/BA: A Cogen atua em casamentos coletivos como este promovido em Vitória da Conquista?
Mário Soares Caymmi Gomes: O casamento coletivo de Vitória da Conquista foi o primeiro que a Cogen foi convidada a celebrar. No entanto, vale lembrar que a Comissão foi criada em 2020, durante a pandemia, e que esperamos que, com a volta ao novo normal que estamos experimentando, essa experiência coletiva possa se repetir com maior frequência. Não há previsão específica para a Cogen atuar em casos assim, porém entendo que ter um juiz gay celebrando uniões de pessoas LGBT é importante para mostrar a mudança de paradigma, tanto da sociedade, quanto do Poder Judiciário, que encara essas identidades de gênero e orientação sexual de maneira inclusiva e respeitosa.
Arpen/BA: Como foi celebrar o primeiro casamento coletivo LGBTQIAPN+ em Vitória da Conquista? Já havia celebrado algum antes?
Mário Soares Caymmi Gomes: Foi muito emocionante. Para mim, que sou gay, é motivo de muito orgulho ver pessoas LGBTQIA+ neste país tão preconceituoso afirmando o seu direito de ser quem são, e reivindicando que sejam respeitadas. Essas pessoas precisam ser vistas e servir de estímulo para que outras sigam os seus passos. Fico muito feliz de ter contribuído para fazer parte desta história.
Arpen/BA: O casamento aconteceu ainda em um ano pandêmico. Neste ano, com a abertura de vários locais e com restrições menores, há previsão de novos casamentos coletivos LGBTs no estado?
Mário Soares Caymmi Gomes: Ainda não fui convidado a celebrar nenhum, mas espero que isso se repita logo! Acredito que muitas pessoas adiaram o sonho do casamento em razão do isolamento social, então espero que a Defensoria Pública da Bahia ou Associações espalhadas pela Bahia se sintam estimuladas a convencer os casais que moram juntos a formalizar essa união por meio do casamento, e que eu possa colaborar, mais uma vez, para essa mudança de paradigma na nossa comunidade.
Fonte: Assessoria de Comunicação Arpen/BA