Foi a seu tempo algo não muito raro – e parece até que em alguns lugares isto era praxe – a expedição de um certificado pelo ofício de registro civil das pessoas naturais (chamemo-lo assim, «certidão» porque era isto, de fato, o que lhe aparecia em epígrafe); um documento, enfim, designado de certidão, mas de caráter autônomo, é dizer, que não se remetia a um assento do qual tivesse sido extraído como exigível, ao modo de um speculum fidele –um espelho fiel.
Dá-se que os destinatários dessa «certidão» –frequentemente uma certidão de nascimento – dela se valiam para a vida social em todo seu gênero, e era desse documento que se expediam outros: cédulas de identidade, títulos de eleitor, carteiras nacionais de habilitação, certificados de reservista, diplomas, etc… E, no entanto, o caso era só de uma «certidão» sem vínculo com um assento registral.
Passa-se o tempo, e da tal «certidão», já velha e desgastada, recomenda-se que se emita uma segunda via. Lá vai seu dono, dela empossado, ao cartório de registro civil competente, e solicita um novo certificado. O registrador, todavia, dá-se conta da falta do termo correspondente no livro A (registro de nascimento). Que fazer?
O art. 109 da Lei brasileira 6.015/1973 (de 31-12) versa sobre a restauração, o suprimento e a retificação de assentamentos do registro civil das pessoas naturais.
O tema, especificamente, a alguns não pareceria moldar-se a uma restauração ou a uma retificação registrais, quando se pense não se tratar de uma restitutio vel emendatio tabulæ, ou seja, de instaurar novamente, regressar a um estado registral originário ou corrigir um assentamento, uma vez que este não se lançou no livro do cartório. Com estes limites, as hipóteses de restauração e de retificação do registro seriam apenas as de destruição (p.ex., por incêndio ou inundação), de extravio ou perdimento dos assentos (v.g., livros subtraídos), de erro de tomada de dados ou o de omissão de formalidades.
A situação em exame pareceria, então, atrair a ideia de suprimento registral. Todavia, conspira contra essa atração o fato de a figura do suprimento não se destinar à sanação da ausência ou nulidade do registro, porque, nesse quadro, sempre caberia a registração tardia. Foi o que ensinou Serpa Lopes, cuja autoridade nunca é demasiado reconhecer. E, com efeito, com apoio na doutrina italiana, Serpa Lopes observou que um ato de estado civil só será existente se, entre outros requisitos, estiver lançado em livro cartorial.
Ora, o termo suprimento –e não custa dizer que a palavra deriva do verbo latino suppleo– tem a acepção de suplemento, preenchimento, complemento, e não a de excluir, ocultar, apagar, etc. (que são significados para o termo suprimir, que resulta do verbo supprimo). Em rigor, não cabe suplementar, preencher, complementar, suprir algo que não existe.
Desta maneira, quanto ao problema que se está a examinar, não cabe, em rigor, pensar em suprimento do termo de nascimento que não foi lançado no livro A.
Regressemos, contudo, à ideia de retificação, que, como ficou dito, sustentam alguns não se aplicar à situação em tela.
Diversamente do que, prima facie, surge como uma certidão sem assentamento correspondente, o que há, na verdade, é um assentamento (de fato) extraprotocolar mal denominado «certidão». Vale dizer, o que se fez foi um termo de nascimento (não uma certidão desse termo, pois que este não existia!), mas um termo lançado fora do livro A do cartório. Um termo em folha avulsa, que se designou –com evidente impropriedade– «certidão».
Poderia pensar-se em nulidade absoluta, por vício formal. Isso, no entanto, conjura contra a economia de esforços, de tempo e de custos, além de repercutir em outros documentos já possivelmente expedidos.
Não é a vida que se deve curvar ao registro, mas o registro é quem deve servir à vida. Nenhum prejuízo se adverte em proceder a uma sanação pouco dispendiosa, que consiste em encaminhar o termo (que se chamou de «certidão») ao livro próprio a que a lei o destina; um encaminhamento intencional, de conteúdo, claro está, já que não é possível fazê-lo fisicamente. Isto pode realizar-se mediante processo judicial (art. 109 da Lei 6.015, de 1973) ou, tanto se trate de “erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção” (inc. I do art. 110 da mesma lei), por meio de atuação do próprio registrador civil, que pode efetivá-lo propter officium ou em atendimento à rogação do interessado (caput do art. 109).