Na sala da pequena biblioteca, onde também carrinhos de bebê e brinquedos ficam ao lado aos livros, três noivas se preparam para o grande momento. Emoção e ansiedade se misturam na voz e nas mãos agitadas. Pela janela, uma delas espia e elogia os noivos, que já aguardam do lado de fora da casa. No quintal, o quiosque está devidamente montado com flores, tapete vermelho, amigos e familiares. Tudo pronto para o primeiro casamento coletivo do Estado do Rio de Janeiro a ser realizado para detentas na Unidade Materno Infantil (UMI), em Bangu, na Zona Oeste da capital, que abriga mães e filhos recém-nascidos e de até um ano de idade. A cerimônia desta quinta-feira, dia 1º, fez parte das ações promovidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), em parceria com a Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) e outros órgãos privados, na programação da 6ª edição da Semana da Justiça pela Paz em Casa.
As histórias dos três casais que se encontraram na celebração do matrimônio têm alguns pontos em comum. Entre todos eles, a dificuldade de manter o contato e a proximidade da família não diminui o amor e o afeto. Aline e Matheus estão juntos há quatro anos e já conviviam na mesma casa, quando ela foi condenada. Eles têm um filho de três meses, e ela está presa há 10. O dia do casamento foi apenas a segunda oportunidade de visita do pai ao local, onde atualmente vive a agora esposa, que cumpre pena na UMI.
“O nosso filho precisa da gente, da nossa união. E mesmo que ela esteja aqui, e eu longe, vou esperar sempre para seguirmos nossa vida quando minha esposa sair”, conta Matheus, que mora em Cabo Frio, na Região dos Lagos. Aline acredita que, se estivesse em liberdade, talvez ainda não tivesse se casado, e, por isso, agradece a oportunidade.
“Foi difícil pela situação de estarmos distantes. Mas a gente não podia deixar passar a chance que nos deram”, afirmou Aline, elogiando a produção do casamento e a diretoria da Unidade.
Rosimery era a noiva mais tímida. No entanto, se mostrou muito feliz, ainda mais pela presença da irmã, com quem teve pouco contato durante o ano em que está presa, e também dos quatro filhos. Ela confidenciou que já negou o pedido de casamento do marido algumas vezes, nos 11 anos de união.
“Ele me pedia e eu não aceitava, até que pedi para casarmos logo aqui”, explicou, dizendo que não houve receio do noivo pelo ambiente na qual Rosimery vive como interna, e se mostrando contente com a bonita festa.
A juíza Raquel de Oliveira, titular da 6ª Vara Cível de Jacarepaguá do TJRJ, foi quem conduziu a cerimônia para os casais. Ela pediu que os noivos dêem sempre valor à família, para receber de volta o valor dos filhos, regando a afetividade da união. A magistrada declarou ainda que o casamento é um ato de respeito à dignidade.
“É sempre comovente, ver uma família se constituindo com laços fortes, mesmo nesse ambiente. Esses laços transformam a família, e ela é a única forma de se resgatar cada membro, que precisa se sentir acolhido, com vontade de melhorar”, explicou a magistrada. Para ela, a ressocialização não é feita só no presídio, mas sim através de um elo de integração com a família. “É o que esperamos mostrar com esse casamento dentro do sistema prisional: que as pessoas podem reescrever uma nova história”, completou.
De acordo com a juíza Larissa Franklin Duarte, que participa do Grupo de Trabalho da Primeira Infância representando a Vara de Execuções Penais (VEP) do TJRJ, a iniciativa do casamento e o ambiente criado para a celebração mostram que a Unidade tem olhar diferenciado para internas, e concorda que a ação agrega as mulheres privadas da liberdade junto aos familiares.
“Muitas mulheres sofrem preconceito da própria família, são abandonadas pelos companheiros quando presas. E aqui foi um ato de reintegração. Os exemplos foram bons porque os homens mantiveram os relacionamentos com as companheiras”, disse a magistrada, que já prevê oficializar mais casamentos em unidades prisionais.
Também estiveram na cerimônia representantes da Diretoria Geral de Apoio aos Órgãos Jurisdicionais (DGJUR) do Tribunal de Justiça do Rio, responsável por promover os casamentos comunitários.
A campanha nacional da Semana da Justiça Pela Paz em Casa acontece simultaneamente à 2ª edição da Semana do Bebê, a qual oferece atividades e oficinas para as detentas gestantes da penitenciária Talavera Bruce e para as internas da UMI, anexa ao presídio.