Em recente decisão (ADI n. 4.275/DF) o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser possível a alteração de nome e gênero no assento de registro civil mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo.
A ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a fim de que fosse dada interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 58 da Lei 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos, no sentido de ser possível a alteração de prenome e gênero no registro civil mediante averbação no registro original, independentemente de cirurgia de transgenitalização.
Todos os ministros da Corte reconheceram o direito, e a maioria entendeu que, para a alteração, não é necessária autorização judicial.
No início de seu voto, o ministro Celso de Mello afirmou que, com este julgamento, o Brasil dá mais um passo significativo contra a discriminação e o tratamento excludente que tem marginalizado grupos, como a comunidade dos transgêneros. “É imperioso acolher novos valores e consagrar uma nova concepção de direito fundada em uma nova visão de mundo, superando os desafios impostos pela necessidade de mudança de paradigmas em ordem a viabilizar, até mesmo como política de Estado, a instauração e a consolidação de uma ordem jurídica genuinamente inclusiva”, salientou, acrescentando que o regime democrático não admite opressão da minoria por grupos majoritários.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, considerou que o julgamento “marca mais um passo na caminhada pela efetivação material do princípio da igualdade, no sentido da não discriminação e do não preconceito”. Ela baseou seu voto no direito à honra, à imagem, à vida privada, nos princípios constitucionais da igualdade material, da liberdade, da dignidade e no direito de ser diferente, entre outros. “Cada ser humano é único, mas os padrões se impõem”, afirmou. “O Estado há que registrar o que a pessoa é, e não o que acha que cada um de nós deveria ser, segundo a sua conveniência”.
Nesse toada, para regulamentar e orientar a efetividade da decisão do pretório excelso, a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, na atuação da Corregedora Desembargadora Maria Zeneide Bezerra, editou o Provimento 175 de 28 de Maio de 2018, trazendo o passo a posso do procedimento juntos aos cartórios de Registro Civil do Estado do Rio Grande do Norte.
Art. 58. Qualquer alteração posterior de nome só por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do Juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa.
Parágrafo único. Poderá também ser averbado, nos mesmos termos o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional.
Não é de somenos importância salientarmos que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte é um dos primeiros a editar procedimentos nesse sentido.
Assim, o requerimento de substituição de prenome, sexo, ou ambos, será realizado pessoalmente pelos transgêneros, de qualquer sexo, que assim o desejarem diretamente no Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Rio Grande do Norte em que lavrado o assento de Nascimento e casamento , ou no Registro Civil das Pessoas Naturais de Município do Estado de Rio Grande do Norte em que tiver sua residência.
Quando realizado perante Registro das Pessoas Naturais de Município distinto, o formulário e os documentos que o instruírem serão encaminhados ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais competente para a averbação, ao qual caberá a qualificação do requerimento, facultado o uso da Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais CRC para o encaminhamento.
Poderão formular o requerimento de substituição de prenome, sexo, ou ambos, as pessoas maiores de 18 anos que tenham capacidade de expressar sua vontade de forma inequívoca e livre.
A substituição dos prenomes poderá abranger todos aqueles que sejam indicativos do sexo distinto daquele a que se pretender referir, mas não poderá prejudicar os patronímicos (sobrenome ). Mediante solicitação do requerente poderão ser excluídos os agnomes (filho, júnior, neto, sobrinho etc.).
Modelo de Requerimento compõe o ANEXO do PROVIMENTO 175/2018 da CGJ/RN, que devera ser preenchido pessoalmente pela parte requerente, ou a rogo por pessoa que a acompanhar caso não saiba ou não possa escrever, na presença do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais ou de proposto que designar para essa finalidade. Será aposta a impressão digital da parte requerente no formulário do requerimento que for preenchido a rogo.
Em conjunto com o requerimento deverão ser apresentados o RG, a prova da inscrição no CPF, o Título de Eleitor, a Certidão de Casamento, se for o caso, as Certidões de Nascimento dos filhos, se existirem, e comprovante de residência se for mantida em comarca distinta daquela em que lavrado o assento de nascimento e casamento, em suas vias originais, para que deles sejam extraídas cópias que instruirão o procedimento de retificação do assento de nascimento e casamento. Serão apresentadas, também, certidões dos Distribuidores Cíveis e Criminais da Justiça Estadual e da Justiça Federal, e Certidão de Distribuição da Justiça do Trabalho, dos domicílios da parte requerente, pelo período de cinco anos ou pelo período em que tiver completado a maioridade civil se for inferior a cinco anos
Caso o requerente não possa ou não saiba assinar, a pessoa que preencher o requerimento a rogo da parte interessada deverá apresentar seu RG, ou Carteira de Habilitação, para conferência e extração de cópia que instruirá o requerimento de retificação do assento de nascimento e casamento.
O Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, ou preposto que designar, deverá confirmar a manifestação de vontade de substituição do prenome, do sexo, ou ambos, e cientificar a parte requerente de que nova alteração de prenome e ou sexo somente ser á possível mediante decisão em ação judicial.
Apresentados o requerimento de substituição de prenome, sexo, ou ambos, e extraídas as cópias dos documentos, deverá o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais promover sua autuação e numeração, com adoção de um procedimento para cada requerente.
O requerimento será protocolado ainda que a parte autora, ou a pessoa que indicar para preencher o requerimento a rogo, não apresentem todos os documentos, os quais poderão ser complementados em 10 (dez) dias, sob pena de indeferimento do pedido que, porém, poderá ser renovado até que seja apresentada a documentação completa.
Sendo a qualificação positiva o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, ou preposto que designar, certificará seu resultado no respectivo procedimento e promoverá a averbação no assento de nascimento e casamento da parte requerente, bem como expedirá a certidão de nascimento e casamento com as substituições promovidas.
Os procedimentos formados com os requerimentos e documentos que o instruíram serão numerados, sequencialmente, com indicação do ano em que formulado o pedido e deverão ser arquivados por prazo indefinido.
Apesar de não constar no Provimento, interessante solicitar a junta das certidões de antecedentes criminais do juizado especial criminal e certidão negativa de interdição, tutela e curatela.
O requerimento de substituição de prenome, sexo, ou ambos, e o procedimento são sigilosos e deles, somente, poderão ser expedidas certidões, ou cópias, mediante requisição judicial.
As certidões de nascimento, casamento, nascimento de filho, óbito e dos demais atos que forem registrados no “Livro E” não poderão conter referência à substituição de prenome, sexo, ou ambos que forem promovidas.
Ficará facultado aos descendentes filhos e netos do transgênero requerente que teve seu prenome, sexo ou ambos, alterado(s), nos termos deste Provimento, o direito de efetuar, diretamente em Cartório, se maiores ou, se menores, por meio dos pais ou representantes legais, as retificações de seus registros de nascimento e casamento corrigindo-os em conformidade com as modificações realizadas pelo seu parente transgênero respectivo.
As certidões de inteiro teor dos assentos, que contenham averbação da substituição de prenome, sexo, ou ambos, somente poderão ser expedidas a requerimento da pessoa registrada, de seu cônjuge se for casada antes da substituição, de seus herdeiros se for falecida, ou mediante requisição judicial, devendo os demais pedidos ser submetidos à análise do Juiz Corregedor Permanente de Cada Comarca.
A existência de ações cíveis, trabalhistas e criminais não impedirá a substituição do prenome, sexo, ou ambos, devendo o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais comunicar ao respectivo Juízo, para as finalidades que forem consideradas cabíveis na ação em curso, que o assento de nascimento foi alterado na forma prevista na ADI nº 4.275/DF do Eg. Supremo Tribunal Federal.
O Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, ou preposto que designar, recusará a alteração do prenome, sexo, ou ambos, mediante decisão fundamentada, se suspeitar da capacidade de livre manifestação de vontade pela parte autora do requerimento, ou da ausência do completo entendimento de sua natureza e consequências, ou se suspeitar de que formulado com a finalidade de fraude.
A parte autora do requerimento poderá requerer a suscitação de dúvida ao Juiz Corregedor Permanente, em caso de recusa da averbação da substituição do prenome, sexo, ou ambos.
Os registradores deverão observar as normas legais referentes a gratuidade de atos, estabelecidas por lei estadual de emolumentos (Lei Estadual n. 9.278/2009)
Por fim, que o Provimento 175/2018 seja um marco na constante luta pela igualdade de gênero e respeito as pessoas, marco fundamental para atingir a plenitude do respeito a dignidade da pessoa humana.