A Justiça do Acre autorizou o cartório de Cruzeiro do Sul, no interior do estado, a inserir o nome de mais dois pais no registro de nascimento de um menino de 11 anos. Com isso, além dos pais biológicos, a certidão de nascimento da criança também terá o nome dos pais afetivos.
Os pais afetivos entraram na Justiça, com autorização dos pais biológicos, para terem o nome no documento. O casal cuida do menino desde que ele tinha três anos.
O G1 entrou em contato com os quatro pais da criança, mas eles não quiseram comentar a decisão.
A sentença é da 1ª Vara Cível de Cruzeiro do Sul e foi divulgada pelo Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC).
Decisão
O juiz responsável pela decisão, Erik Farhat, explicou que a mãe afetiva da criança é tia da mãe biológica, o que a torna tia-avó do menino. As famílias moram em Cruzeiro do Sul e se ajudam na criação da criança.
No início do ano passado, os pais afetivos entraram na Justiça após o cartório não inserir o nome deles no registro da criança.
\”As pessoas levaram esse pedido ao cartório de registro e o oficial de registro suscitou uma dúvida com o juiz, corregedor permanente dos cartórios, para resolver a questão. No bojo desse procedimento, ouvimos todos e chegamos ao entendimento que era o caso de decidir no sentido de manter os pais biológicos e acrescer pais socioafetivos\”, acrescentou o magistrado.
Mudança
Com a pandemia do novo coronavírus, o cartório ainda não fez a mudança no documento do menino. Segundo o juiz, os familiares participaram de uma audiência e todos manifestaram o desejo de fazer a mudança.
\”Foram todos ouvidos e se percebeu a voluntariedade de todos. A situação é essa de convivência múltipla com a criança e nesse contexto a paternidade socioafetiva e a biológica não podem sofrer tratamento desigual. A leitura da família não mais tão fechada permite variáveis e abomina distinções preconceituosas. Nessa linha que foi a decisão\”, destacou.
Farhat disse também que a decisão é um caso de multiparentalidade. A inclusão dos quatro nomes na certidão é possível pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autoriza o procedimento.
\”O ordenamento jurídico comporta essa situação tranquilamente. Parece um pouco diferente, mas o ordenamento jurídico comporta e admitimos essa multiparentalidade. Isso não é uma novidade absoluta. Essa decisão tem precedentes do STF, do STJ e provimento do CNJ, então, é juridicamente bem amparada\”, frisou o juiz.
Responsabilidades
Farhat explicou também que a decisão traz mais deveres do que direitos para os pais. Segundo ele, todos têm a obrigação de oferecer uma boa educação para o menino, um ambiente familiar saudável e garantir um futuro seguro para o filho.
\”É rico em deveres. A criança que foi registrada em nome de quatro pais, quatro pessoas que possuem obrigações em relação a ela, obrigações alimentares, direitos sucessório de educar e convívio. Todos vão sim poder usufruir dos aspectos da vida da criança\”, reforçou.
Por se tratar de um processo de jurisdição voluntária, o magistrado diz que não cabe recurso, mas caso algum dos pais queira retirar o nome do documento será necessário cumprir algumas medidas para a anulação.
\”Ninguém ajuizou a ação para que isso acontecesse. Agora, se eventualmente, alguém quiser fazer uma anulação é possível, mas todo reconhecimento de paternidade, assim como a adoção, é irrevogável. Então, se alguém quiser mudar essa realidade precisará manejar uma ação anulatória para trazer as provas e os fundamentos, que não são quaisquer um. Não basta qualquer arrependimento ou erro banal. Vai exigir uma justificativa que gere uma anulação que está incluída na lei\”, concluiu.