Logo Arpen BR Horizontal

Ouvidoria

Home / Comunicação

Notícias

Clipping – RD News (MT) – Mesmo com aval do STF, transexuais não conseguem alterar suas documentações

Daniela Behrends, 26 anos, formada em secretariado executivo, leva uma vida relativamente comum, morando com os pais e trabalhando no refeitório de uma escola municipal na Capital. A rotina em um grande centro como Cuiabá seria parecida com a de outras pessoas, caso ela não se sentisse constrangida pelo simples fato de apresentar seus documentos em situações diversas, como embarcar em um ônibus de viagem.

Desde 2015, a servidora pública municipal assumiu sua identidade feminina e começou, sem acompanhamento médico – o que não é recomendável -, o tratamento hormonal para deixar de ter características físicas masculinas e passar a se ver no espelho com o corpo no qual se identifica. Daniela é uma mulher transexual, que ainda carrega o estigma de ter em seus documentos oficiais o nome de registro.

Em 2017, a jovem buscou a Justiça no intuito de conseguir a autorização para a alteração de seu nome e gênero em documentos. O parecer favorável do Ministério Público Estadual (MPE) veio em dezembro. No entanto, ela ainda aguarda a decisão da 6ª Vara Cível de Cuiabá.

Em março, Daniela começou a acreditar que todo este processo burocrático seria mais fácil, após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que pessoas transexuais e transgêneros poderiam mudar nome e gênero no registro civil, sem a necessidade da realização de cirurgia de redesignação de sexo ou uma decisão favorável da Justiça.

A euforia da servidora, no entanto, foi ceifada quando buscou a Politec, órgão responsável pela confecção do Registro Oficial (RG) em Mato Grosso. “Fui até lá, mas me disseram que tem um ano para entrar em vigor. Para se adaptar o sistema”, diz ao RD News.

Sem um documento oficial com foto, Daniela se vê impedida de participar dos Jogos Universitários Mato-Grossenses, que terá início em 28 de abril. A jovem faz parte do time feminino de vôlei da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Segundo ela, os responsáveis pelo time procuraram a Federação Mato-Grossense de Esportes Universitários (FMEU) para verificar a possibilidade da sua inscrição. No entanto, a federação disse que iria consultar a Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU) sobre a possibilidade de a esportista participar da competição com a documentação ainda com o nome de registro.

“O pessoal do time quer muito que eu participe, principalmente por conta da representatividade. Não tenho o documento porque quero, mas por não terem condição de realizar a alteração. [Representantes da FMEU] falaram que sou a primeira [jogadora transexual] e não sabem como reagir a esta situação. Fico sem ter o que fazer”, lamenta.

O caso de Daniela é similar ao da jogadora Tiffany Abreu, a primeira transgênero a atuar na Superliga Feminina de Vôlei. A contratação da atleta pelo Bauru, autorizada pela comissão médica da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), desencadeou um debate sobre a possível vantagem de uma transgênero sobre as demais jogadoras e os critérios adotados em casos como esse.

Sobre a eventual vantagem diante as demais jogadoras, Daniela afirma que joga no mesmo patamar que as demais, já que o tratamento hormonal transformou seu corpo, fazendo com que esteja em igualdade física como qualquer outra jogadora.

Constrangimento e aceitação

Daniela relata que o constrangimento enfrentado pelo fato de ser quem é teve início dentro de casa, quando, diferente do que ocorre na maioria dos lares formados por pessoas que se identificam com o gênero correspondente ao órgão sexual que possui, teve que assumir sua condição que fugia do que era esperado.

De acordo com a jovem, antes da confirmação de que se identificava como uma mulher, teve que, aos 15 anos, assumir a orientação homossexual. Ao passar do tempo, acabou confirmando que, na verdade, não se identificava como pertencente ao gênero masculino, começando a vestir roupas ditas femininas.

“Meus pais, em 2015, acabaram descobrindo, pois meu irmão contou. Foi bom, pois eles ficaram sabendo, sem que eu precisasse contar. É ruim ficar falando o que você é todas as horas”, afirma.

Os pais de Daniela, mesmo com dificuldade, entenderam sua condição e lhe apoiaram. A partir de então, ela começou a ter que enfrentar apenas o constrangimento corriqueiro nas ruas. A jovem diz que em muitas situações enfrenta olhares condenatórios e comentários que buscam menosprezá-la. Além disso, o fato de seus documentos ainda estarem com seu nome masculino é motivo de riso para muitos.

No time de vôlei, Daniela declara que em algumas competições já teve conhecimento de que adversárias questionaram o fato de estar na equipe feminina. No entanto, o apoio de colegas atletas tem lhe motivado a continuar. “Depois de anos que participei [de algumas competições], tive conhecimento de que algumas pessoas questionaram o fato de eu estar no time feminino. Diziam que não poderia”.

Yasmim Nascimento, 21 anos, joga na mesma equipe e apoia a participação de Daniela. Avalia que a impossibilidade de conseguir a alteração no RG e a participação na competição universitária é um descaso. “Ela é uma jogadora que tem experiência e técnica, devido a sua bagagem no vôlei e acrescenta muito para nossa equipe, tendo em vista que joga o mesmo nível que todas da equipe”.

Questão burocrática

Nos cartórios, a mudança só poderá ser feita por pessoas com idade igual ou superior a 18 anos e que se encontrem há pelo menos três anos sob convicção de pertencer ao gênero oposto ao biológico.

Campo Grande registrou o primeiro caso do País, em que um transgênero conseguiu mudar seu nome nos documentos, a partir da decisão do STF. Kaio Arantes Borges, 22 anos, procurou um cartório para realizar a alteração em sua certidão de nascimento.

Para tal mudança, o jovem só precisou assinar um requerimento, pagar uma taxa e apresentar Certidão de Antecedentes Criminais e Certidão Negativa Criminal da Justiça Estadual, para comprovar que a mudança de nome não tem outros objetivos.

Em Mato Grosso ainda não há registros de mudanças seguindo a jurisprudência. Para padronizar o atendimento dentro dos cartórios, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) deve publicar uma portaria regulamentando o procedimento dentro das unidades.

Para alterações do RG, a Politec diz que, por meio da Diretoria Metropolitana de Identificação Técnica, já iniciou o processo de alterações em seu sistema de identificação civil (SIC) de forma a atender aos requisitos da legislação nacional, até a data de previsão que é 01 de março 2019. Desta forma, alegam que não podem atender tais solicitações.

O órgão, no entanto, ressalta que já realizou alterações de nomes e gêneros em RGs, a partir de decisão judicial e emissão de nova certidão de nascimento. Não há quantificação de quantos casos foram atendidos.