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Direito ao nome e diferentes contextos de paternidade são debatidos durante último dia de evento sobre erradicação do sub-registro em Brasília

XI Encontro Nacional de Promoção do Registro Civil de Nascimento e do Acesso à Documentação Básica aconteceu nos dias 19, 20 e 21 de março e foi realizado pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos

 

Brasília (DF) – O último dia do XI Encontro Nacional de Promoção do Registro Civil de Nascimento e do Acesso à Documentação Básica, realizado pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, aconteceu nesta quinta-feira (21.03) e debateu o direito ao nome e os diferentes contextos de paternidade na sociedade brasileira.

 

Após dois dias de intensos debates e discussões, que contou com a participação da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), o terceiro dia teve menos painéis, abordando durante a manhã a questão do direito ao nome e suas peculiaridades

 

Após dois dias de intensos debates e discussões, que contaram com a participação da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), o terceiro dia teve menos painéis, abordando durante a manhã a questão do direito ao nome e suas peculiaridades.

 

A coordenadora-geral de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Dayana Brunetto, ponderou que antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2018, que permitiu a alteração de nome e gênero nos cartórios brasileiros, havia uma negação à aceitação do nome social de pessoas trans.

 

O juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, David Pinter Cardoso, disse que em alguns locais, mesmo no Poder Judiciário, o direito ao nome é inviabilizado por uma série de questões

 

“Pessoas LGBTQIA+ existem e são importantes para nós, essa foi a frase do ministro no dia em que assumiu – referindo-se ao ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida. O nome é importante para todas as pessoas, e também para as pessoas trans”, reforçou Brunetto.

 

A cidadania que os cartórios brasileiros conferem aos cidadãos também foi comprovada durante a exposição do assistente técnico da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Haroldo Resende, que destacou o trabalho do cartório de Registro Civil de Barcelos, localizado no Amazonas, junto às comunidades indígenas da região.

 

Os diferentes contextos de paternidade e o alto número de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento foram debatidos durante o último dia do evento em Brasília

 

“Recebemos equipamentos doados pela Arpen/AM. Acabamos percebendo que não precisávamos de um sistema complexo, apenas de uma internet e um atendimento de qualidade”, relatou Resende.

 

A deputada federal Erika Kokay (PT/DF) explicou que o PL 2655/2021, de sua autoria, pretende inverter o ônus da prova na declaração da mulher sobre a paternidade, fazendo com que a recusa do homem à submissão ao exame de DNA gere a presunção que o réu é pai do autor da ação de investigação de paternidade

 

Já a vice-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Lucia Alberta Andrade de Oliveira, ponderou que a dificuldade da cidadania dos povos indígenas é histórica, já que o indígena só era considerado cidadão se deixasse de lado a sua própria cultura.

 

“A principal política colonialista era integrar os povos colonialistas a uma política nacional. O direito ao nome está assegurado em nossa Constituição Federal, e somos reconhecidos a partir do nosso nome”, avaliou a vice-presidente da FUNAI.

 

Representantes de diversos setores da sociedade posaram para uma foto final do XI Encontro Nacional de Promoção do Registro Civil de Nascimento e do Acesso à Documentação Básica

 

A psicóloga na Coordenadoria da Infância, Juventude e Idoso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ), Eliana Olinda Alves, falou mais sobre os aspectos psicológicos, sociais e antropológicos relacionados à escolha do nome da criança.

 

“A história do ser humano não começa quando a criança tem cinco anos, mas antes de nascer. Antes da concepção, antes do nascimento, já temos uma história, mas para acessar essa história precisamos ser reconhecidos por alguém. É uma questão de cuidado, atenção, e passa pela questão da nomeação, de ela se reconhecer a partir de sua identidade e de seu núcleo familiar”, ensinou a psicóloga.

 

No início do painel, o juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, David Pinter Cardoso, mencionou que, em alguns locais, mesmo no Poder Judiciário, o direito ao nome é inviabilizado por uma série de questões.

 

“Depois de uma alteração legislativa em 2018, essas negativas se tornaram mais incomuns, mas ainda ocorrem. E percebemos que pode estar ocorrendo um fenômeno de cifra negra. Situações comuns, mas que não chegam ao conhecimento das autoridades. A cifra negra se refere a crimes que acontecem, mas não são noticiados às autoridades. Pode ser que estejam ocorrendo negativas”, ressaltou o magistrado.

 

Contextos de paternidade

 

Com 214 milhões de brasileiros, o país teria algo em torno de 20 milhões de pessoas sem o reconhecimento do pai na certidão de nascimento, segundo estimativas baseadas em estudos locais produzidos pela doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), Ana Liési Thurler.

 

Autora do livro “Em Nome da Mãe – o não reconhecimento paterno no Brasil”, ela conta que está envolvida com a questão da paternidade desde o século passado, quando, em 1999, o estado da Bahia estimava que existiam 300 mil crianças nas escolas sem o reconhecimento paterno. Desde então, mergulhou nesse universo e produziu diversos estudos sobre o assunto.

 

“Nossos cartórios eram ilhas isoladas neste país. Temos que aplaudir as ações das Arpens e Anoregs. Enquanto os cartórios estavam isolados, ninguém se dava conta disso. Quando surgiu a Arpen-Brasil e a Anoreg/BR, ficamos sabendo que um terço dos nossos nascimentos não tinham nenhum documento. Isso deflagrou uma reação, e muitas pessoas não quiseram ficar de braços cruzados”, argumentou a escritora.

 

A presidente da Associação Pernambucana das Mães Solteiras (APEMAS), Marli Márcia da Silva, que participou do evento de forma virtual, explicou que criou a associação a partir de suas próprias experiências há cerca de 30 anos.

 

“Ser mãe solteira antigamente era ser abandonada, moral e financeiramente. Falar de paternidade 30 anos atrás era uma afronta. Descobrimos que o que havia em comum entre nós era o vazio onde deveria estar o nome do pai, e enveredamos pelos caminhos da justiça”, ponderou Silva.

 

“Não existe vontade suficiente no Estado brasileiro para reverter esse quadro. Recentemente, um homem de 77 anos nos procurou para resolver a questão da paternidade. Muitos adolescentes têm vergonha de tirar documentos somente com o nome da mãe. Aqui em Pernambuco, todas as instituições nos procuram, além de escolas e creches, com dúvidas. Seria interessante ter pelo menos uma secretaria de paternidade em cada capital. É importante que se discuta, que se acolha, que se esclareça a dúvida dessas pessoas. Não temos o apoio que deveríamos ter. Nossa contribuição é pequena diante de nossa condição”, advertiu a presidente da APEMAS.

 

Durante a palestra, a promotora de Justiça do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, Viviane Alves, mencionou o “Portal da Transparência” como uma ferramenta do Registro Civil brasileiro, e constatou que estados como Amapá, Roraima, Acre, Amazonas e Maranhão possuem índices entre 10 e 13% de pais ausentes, enquanto Santa Catarina apresenta apenas 4% de registros sem o reconhecimento do pai.

 

“Vemos que existem questões ligadas a desigualdades sociais. Com relação aos cartórios, o estado de Santa Catarina é o que possui a melhor renda para o titular do cartório. São dados que nos dão pistas sobre os indicadores sociais”, alertou a promotora.

 

Para mitigar lacunas no contexto da paternidade no Brasil, tramita no Congresso Nacional, na Comissão de Previdência, o projeto 2655/2021, da deputada federal Erika Kokay (PT/DF), que está apensado a outros projetos.

 

Ao palestrar no evento, ela explicou que o PL pretende inverter o ônus da prova na declaração da mulher sobre a paternidade, fazendo com que a recusa do homem à submissão ao exame de DNA gere a presunção de que o réu é pai do autor da ação de investigação de paternidade.

 

“Quando as mulheres adentram as maternidades, elas diminuem suas jornadas de trabalho, enquanto os homens aumentam as suas, pois são vistos como provedores e não como cuidadores. O pai acha que sua função é a de provedor, de arcar com uma pensão alimentícia para que a mãe possa cuidar do menino ou da menina, o que empurra as mulheres para o universo doméstico e faz com que não criemos os mesmos espaços públicos, já que o espaço doméstico é, em via de regra, um espaço solitário. A ditadura da perfeição vem desse sentido. A mulher pode ocupar um espaço público, mas sua casa tem que estar intacta, ela tem que estar perfeita para seu marido”, concluiu a parlamentar em sua exposição.

 

Conclusões

 

Ainda houve tempo para os encaminhamentos do XI Encontro Nacional de Promoção do Registro Civil de Nascimento e do Acesso à Documentação Civil.

 

Na área de tecnologia, foi reforçado a importância da infraestrutura digital em unidades ligadas a erradicação do sub-registro, softwares de segurança, e novos mecanismos associados ao gov.br, plataforma digital de relacionamento do cidadão com o governo federal brasileiro. Também foi mencionado que o Ministério dos Direitos Humanos tenha assento nos pleitos técnicos ligados as discussões da nova Carteira de Identidade Nacional.

 

Também foi alinhado a necessidade de organizar mutirões e reuniões locais com vários órgãos durante a Semana Nacional do Registro Civil, o “Registre-se!”, que acontece este ano entre os dias 13 e 17 de maio, além de construir protocolos de desastres e grupos de trabalho sobre os assuntos debatidos no evento.

 

Outras conclusões foram debatidas e serão enviadas por e-mail aos inscritos no evento.