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Irpen/PR – “A sociedade mudou, os cartórios mudaram”

Neste Mês do Orgulho LGBTI+, o Irpen/PR promove um diálogo aberto para entender mais sobre questões que fazem parte desta sociedade tão plural e diversa  

 

A dignidade da pessoa humana é algo indiscutível, proposto, inclusive, na Constituição Federal. Faz parte deste alicerce de direitos respeitar todas as pessoas, independentemente de quais sejam suas características ou quem elas escolham amar. Neste mês de julho comemora-se o orgulho LGBTI+, como sinônimo de resistência e luta da diversidade das várias formas de amor. 

 

A população LGBTI+ é ainda marginalizada, sem que haja leis que as protejam, sem terem acesso a todos os seus plenos direitos, sem dados no Censo Demográfico, e assim, permanecem na invisibilidade. O que nos resta fazer para contribuir com a pauta? Ouvir. Aprender com quem vive isso na pele. 

 

O Instituto do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (Irpen/PR), engajado nas transformações sociais, entrevistou o diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+, diretor-executivo do Grupo Dignidade e integrante do conselho executivo da GayLatino, Toni Reis. “Viver em harmonia, numa sociedade justa e igualitária, com direito para todas as pessoas, é fundamental”, constatou. 

 

Toni Reis é professor, formado em letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e também em pedagogia pela Uninter. É especialista em sexualidade humana, mestre em filosofia, doutor e pós-doutor em educação. Atualmente faz um segundo pós-doutorado em educação na UFPR. 

 

Autor dos livros “Homofobia no ambiente educacional: o silêncio está gritando”. “Sexo, Ética e Consentimento” e do “Manual de Comunicação LGBTI+”, um guia para os meios de comunicação*, Toni é ainda ativista da causa LGBTI+ e aids desde meados dos anos 1980. Vive com seu marido David Harrad desde 1990. O casal tem três filhos, atualmente com 21, 18 e 16 anos de idade. 

 

Confira a entrevista completa: 

 

Irpen/PR – O Provimento nº 73 do CNJ que possibilitou a alteração de prenome e gênero de pessoas transexuais diretamente nos cartórios de registro civil completa quatro anos. Qual a relevância desse provimento para a população LGBTI+? 

 

Toni Reis – A importância do provimento do CNJ que deu origem no Supremo Tribunal, com a decisão do reconhecimento da identidade de gênero como um direito fundamental, é simplesmente o cumprimento da Constituição Federal, no seu artigo 5º que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Nós ficamos muito felizes por ter conseguido essa vitória no judiciário e no STF.  Muitas pessoas ganharam o direito a identidade real delas e ninguém, absolutamente ninguém, perdeu nenhum direito. 

 

Irpen/PR – Os benefícios que esse provimento proporcionou para a vida desta população conseguem atender a todas as demandas no que diz respeito ao registro civil? 

 

Toni Reis – A decisão da Suprema Corte e do CNJ, sim, proporcionou benefícios à vida das pessoas trans para atender todas as demandas. Porque sem documento você não existe, para ser um cidadão ou uma cidadã você precisa ter os documentos em dia, respeitar a lei do Estado brasileiro. No caso as pessoas que ainda têm um certo poder aquisitivo têm conseguido fazer de forma muito célere, muito rápida. Mas infelizmente, algumas pessoas ainda têm dificuldade de tirar as certidões negativas, às vezes porque mudaram de local e os cartórios fecharam, então nós estamos vendo dificuldades para algumas pessoas, principalmente para o pessoal de classe menos favorecida economicamente. 

 

No entanto, temos tido mutirões nas defensorias públicas, estamos tendo muitas organizações não governamentais, os Ministérios Públicos estaduais têm nos ajudado muito, a própria Defensoria Pública da União tem sido uma grande parceira para conquista dos direitos humanos da população dentro da comunidade LGBTI+, que sofre mais discriminação que é a população trans. 

 

Irpen/PR – Esta normativa é um passo importante para os direitos LGBTI+. Para o senhor, quais outras iniciativas, de qualquer esfera, proporcionariam mais dignidade às pessoas? 

 

Toni Reis – Todas as decisões e interpretações constitucionais que o STF fez para a comunidade LGBTI+ foram muito importantes. A questão da união estável, posteriormente, o casamento civil que regulamentou as situações das muitas famílias homotransafetivas que têm no país. Depois, nós conseguimos a questão da adoção. Hoje as Varas de Infância e Adolescente desburocratizaram. Para mim mesmo, demorou sete anos para adoção dos nossos três filhos e hoje não demora mais que dois anos, o que é o normal. Tem que ser um processo lento, muito cuidadoso, porque você está tratando de vida de pessoas. Depois, a questão da doação de sangue. A questão da identidade de gênero que foi respeitada. Também a questão do direito à liberdade de cátedra em que enterrou aqueles projetos que tentavam censurar os professores e professoras de falarem sobre orientação sexual, identidade de gênero e sobre gênero dentro da sala de aula. Por fim, e o que considero uma das mais importantes, é que o Supremo Tribunal Federal acatou as nossas demandas de que a ausência de lei não quer dizer ausência de direitos e que declarou que o Congresso Nacional foi omisso em não criminalizar a lgbtfobia, que hoje é considerado um tipo de racismo até que o Congresso Nacional vote e reconheça que há crime de ódio no Brasil e crime de discriminação contra a comunidade LGBTI+. 

 

 

 

Irpen/PR – Em sua opinião, qual a importância dos cartórios de registro civil para a população LGBTI+? 

 

Toni Reis – É fundamental. Sempre pensamos, no senso comum, que cartório é sinônimo de burocracia, mas nós somos uma cultura latina, uma cultura que precisa estar registrada, precisa estar escrita, e os cartórios prestam serviços fundamentais para toda a população. Você ser atendido com dignidade dentro de um cartório é muito bacana. Tive dificuldades em alguns cartórios para fazer o meu casamento, mas conseguimos em um com bons advogados. E a gente vai aprendendo. A cultura não dá saltos, então, aos poucos, nossa sociedade vem mudando. Em 1992 nós tínhamos em torno de 5% de apoio da população, hoje nós estamos chegando a quase 70% de apoio. A sociedade mudou, os cartórios mudaram. O Supremo Tribunal Federal ajudou muito e os cartórios fazem parte deste macro sistema em que também tem que estar a favor de todas as pessoas, independente de qualquer característica delas, respeitando as singularidades, as pluralidades e as identidades das pessoas. 

 

Irpen/PR – Como avalia a prestação dos serviços dos cartórios de registro civil para esta população? 

 

Toni Reis – De 0 a 10, 9,9. Neste período, a Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) receberam quatro denúncias no âmbito nacional. No Paraná nós recebemos uma, que era uma questão de uma criança que estava tendo dificuldades, mas quando fomos nos aprofundar, não era preconceito, nem discriminação, não era falta de vontade, era apenas uma questão de método. É isso, o movimento, as organizações LGBTI+ têm que trabalhar juntos para conseguir solucionar o problema e não causar outro problema. 

 

Eu vejo que a avaliação é muito boa, independente de credo, religião, concepções políticas. Nós temos que pregar o respeito e a civilidade entre as pessoas. E os cartórios têm sido essa nossa ponta de atendimento à população. Decidido na Suprema Corte, passa por todos os documentos e vai até onde as pessoas são atendidas na ponta. 

 

Irpen/PR – Este mês também se comemora o orgulho LGBTI+. Existe alguma mensagem que gostaria de deixar às pessoas que te leem? 

 

Toni Reis – Primeiro, em maio é o mês de denunciar toda a discriminação, o preconceito e a violência que nós sofremos [17/05 é o Dia Internacional Contra a Homofobia]. Em junho é o mês para mostrar que não somos pecadores, não somos criminosos, não somos doentes, há orgulho em ser o que somos, assim como todas as pessoas devem ter orgulho do que são e não discriminar ou menosprezar as características das pessoas. Viver em harmonia, numa sociedade justa e igualitária, com direito para todas as pessoas é fundamental e nesse sentido, diálogo tranquilo e aberto, com bons argumentos, é fundamental para a gente conviver harmonicamente num país como o nosso. 

 

*”Neste manual o símbolo + foi acrescentado à sigla LGBTI para abranger outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero”, Toni Reis afirma que adota a sigla LGBTI+ para fins de organização e reivindicação da efetivação de direitos, não para rotular as pessoas. Por isso, está sigla foi a usada na entrevista. 

 

Fonte: Assessoria de Comunicação – Irpen/PR