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Irpen/PR – “O trabalho do registrador civil é a fonte mais segura de dados estatísticos relacionados aos atos mais importantes na vida civil do cidadão”

Irpen/PR entrevistou a presidente da Comissão Nacional dos Notários e Registradores do IBDFAM, Márcia Fidelis 

 

Por meio de dados levantados pelos cartórios de registro civil do Brasil, uma nova realidade se estabeleceu e se teve conhecimento: nos quase dois anos completos de pandemia, houve recorde de pais ausentes e também queda nos reconhecimentos de paternidade. Os dados constam em dois recentes módulos do Portal da Transparência do Registro Civil e são contabilizados em tempo real, de acordo com as informações que os cartórios enviam.Confira aquisobre pais ausentes e neste link sobre reconhecimento de paternidade. 

 

Para falar sobre essas estatísticas, o Instituto de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (Irpen/PR) conversou com a presidente da Comissão Nacional dos Notários e Registradores do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Márcia Fidelis, que considerou que os desafios e dificuldades ocasionados pelo período pandêmico, para a prestação de serviços que antes ocorriam de forma mais eficiente, podem ser os motivadores para a diminuição nestes registros. 

 

A presidente da comissão do IBDFAM, que também é registradora civil e professora, afirmou que o Portal da Transparência é uma fonte pesquisável segura, com parâmetros que permitem o direcionamento de serviços e políticas públicas em proporções ajustadas às necessidades reais às demandas da população. Fidelis abordou ainda sobre as políticas afirmativas que auxiliam nestes casos e o paradoxo que envolvem as questões de reconhecimento de paternidade ou de crianças registradas somente no nome da mãe, por escolha da mulher, além de falar também sobre a multiparentalidade, quando existe o pai biológico, mas há o reconhecimento socioafetivo de paternidade. 

 

Confira a entrevista completa: 

 

Irpen/PR – Dados do Portal da Transparência do Registro Civil, no novo módulo denominado “pais ausentes”, trazem os números de crianças sem o nome paterno no registro de nascimento em todo o país. Esse número cresceu na pandemia, passando de 160.408 em 2020 para 167.339 em 2021. A que se deve esta ausência paterna nos registros durante o período da pandemia? 

 

Márcia Fidelis – Os motivos que normalmente justificam registrar filhos sem atribuir-lhes paternidade é a ausência do pai no momento da lavratura do registro de nascimento e não há entre os pais da criança relação de conjugalidade. Essa ausência poderia ser suprida nos casos em que incide a presunção de paternidade, quando os pais são casados entre si. Em algumas Unidades Federativas essa presunção é aplicada também aos conviventes em união estável. 

 

O pai pode não ter comparecido, porque recusa reconhecer a criança como filha, o que, infelizmente, ainda é a situação mais comum. Outras circunstâncias que, mesmo em menor escala, também podem motivar o registro lavrado apenas com a maternidade estabelecida é o posicionamento da própria mãe de preferir registrar sozinha; quando há conjugalidade homoafetiva e o casal acaba tendo que buscar intervenção judicial para incluir a outra pessoa como pai/mãe e, até, por impedimento temporário do pai, por estar viajando ou trabalhando em situações que o impedem de comparecer ao serviço de registro civil e por algum motivo o registro não pode ser postergado. Esta última situação costuma ocorrer quando o registro é lavrado em Unidades Interligadas lotadas no local do parto, estando presente somente a mãe. 

 

As dificuldades causadas pela pandemia da Covid-19, pelas restrições ao deslocamento das pessoas nos momentos mais críticos e por impor o isolamento rigoroso aos doentes, tinham o potencial de refletir em diversas dessas circunstâncias, alterando até mesmo a quantidade total de registros de nascimento. 

 

Entretanto, o aumento não foi tão significativo. Em 2020, 6,05% dos registros de nascimento foram lavrados apenas com a maternidade estabelecida. Em 2021 foram 6,31%. 

 

Outra situação que, durante o período pandêmico, causou transtornos para qualquer atividade, foi a dificuldade em prestar determinados serviços com a eficiência de sempre. Os registradores civis viveram um desafio sem precedentes, como todas as profissões que exercem serviço essencial. Até porque a quantidade de registros de óbito aumentou muito e, em lugares onde a situação ficou mais grave, também o atendimento para registros sofreu impacto. Mesmo onde não houve risco de colapso pelo aumento de óbitos, as regras sanitárias, restrição de aglomeração e necessidade de higienização constante foram agravadas pelo número reduzido de colaboradores. Vários ficaram doentes em isolamento, outros se enquadram em situações de maior risco à exposição do vírus. Por isso, quando nos deparamos com os números, com o resultado do trabalho nos dois anos de maior impacto, o sentimento é de gratidão e de dever cumprido. Porque, olhando os números desse painel, relacionados aos registros de nascimento, não se percebe mudanças tão impactantes como se temia acontecer. 

 
Irpen/PR – Pelos dados observados no Portal da Transparência do Registro Civil, também em novo módulo, os reconhecimentos de paternidade tiveram impacto. Antes da pandemia, foram realizados 35.243 reconhecimentos de paternidade, em 2020 foram realizados 23.921 e em 2021 foram 24.682 atos. Existe alguma explicação para esta diminuição? 

 

Márcia Fidelis – Em média, nos seis últimos anos, o percentual de reconhecimentos de paternidade em relação à quantidade de registros de nascimento sem paternidade estabelecida é de 16,05%. O ano de 2019 foi atípico nesse período. Percebe-se, analisando os gráficos do painel, que no primeiro semestre de 2019 houve um pico expressivo no número de reconhecimentos de paternidade, elevando o percentual de 2019 para 20,93%. Provavelmente ocorreu alguma campanha grande em algum estado, com mutirão de reconhecimento de paternidade, que pode ter causado esse aumento. 

 

Portanto, tendo em vista que o ano de 2019 causou um aumento na média anual, os percentuais de 2020 (14,93%) e de 2021 (14,76%), não representaram uma diminuição tão impactante quanto parece.

 

De toda forma, não se pode desconsiderar o fato de alguns pais adiarem o reconhecimento de paternidade, postergando-o para um momento menos crítico da pandemia, já que nem sempre a inclusão posterior da paternidade será tão imprescindível quanto o registro de nascimento. É possível que tenha ocorrido sim, um número menor do que talvez seria caso não estivéssemos em crise sanitária. 

 
Irpen/PR – Ao prestar informações sobre esses dados relevantes à sociedade e aos órgãos responsáveis, os cartórios de registro civil interferem em políticas públicas brasileiras visando direitos fundamentais? 

 

Márcia Fidelis – O trabalho do registrador civil é a fonte mais segura de dados estatísticos relacionados aos atos mais importantes na vida civil do cidadão, porque nos livros de registros ficam eternizados, de forma segura, todas as pessoas que nasceram, que faleceram, quantas se casaram e quantas se divorciaram, por exemplo, já que todos esses acontecimentos são obrigatoriamente registrados no serviço de registro civil. 

 

O Portal da Transparência, como fonte pública e pesquisável, com parâmetros que permitem busca por diversos filtros, permite a qualquer interessado parâmetros para direcionar serviços e políticas públicas em proporções ajustadas às necessidades reais de cada município, de cada Unidade Federativa, de cada região e do país todo. Com esse direcionamento, equilibra-se o fornecimento de serviços essenciais, evita-se o desperdício por um lado e a falta de recursos para outro. Garante-se, com mais precisão, o atendimento à população, de forma mais ampla, de seus direitos fundamentais. 

 

Através dos registros de nascimento e de óbito lavrados a cada mês, em cada município, em todo o país, é possível saber quantas pessoas nasceram em determinado período e quantas faleceram. Com esses números, a aferição da população é muito mais precisa. 

 

Esses mesmos números impactam diretamente no direcionamento de políticas públicas. Os governantes poderão direcionar os serviços públicos aos estados e aos municípios de forma mais eficiente, já que terá condições de garantir quantidades suficientes, para não faltar e para não sobrar, poderá identificar variações regionais com precisão (no sul há mais nascimentos que óbitos e no norte é o contrário – exemplo não real), tendências  climáticas (no inverno morrem muitos idosos) e identificará eventuais sazonalidades como ocorrências de mais casamentos nos meses de maio e setembro. Maio por ser mês das noivas e setembro por causas climáticas – primavera. 

 
Irpen/PR – Existem políticas públicas que auxiliam em alguma esfera as mães solos? 

 

Márcia Fidelis – Sim. Vários são os projetos que facilitam a inclusão de paternidade, fornecendo gratuitamente documentos necessários, difundindo informações, fazendo campanhas de incentivo ao reconhecimento de filhos. 

 

A forma como esses serviços são prestados varia muito de um lugar para o outro. Normalmente, esses mutirões e as campanhas de incentivo são feitas através de convênios com a participação de Prefeituras, de Defensorias Públicas Estaduais e até com o Ministério Público. Mutirões de reconhecimento de paternidade nos presídios também ocorrem eventualmente. 

 

Em Minas Gerais, temos os Centros de Reconhecimento de Paternidade, com destaque para o de Belo Horizonte, localizado dentro do Fórum da Comarca. Além disso, foi editada uma lei mineira atribuindo aos registradores civis a incumbência de encaminhar também às Defensorias Públicas locais as declarações das mães solo, indicando o suposto pai, para que facilite o eventual processo de Investigação de Paternidade. Ainda, as averiguações de paternidade são feitas em etapa pré-processual em algumas comarcas do estado, no Centro Judicial de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC). 

 

 
Irpen/PR – Existem hoje políticas afirmativas para o combate à falta de paternidade estabelecida? 

 

Márcia Fidelis – Campanhas locais conscientizadoras em eventos, escolas públicas e cartazes informativos de iniciativa de Prefeituras e Secretarias Estaduais de Saúde. 

 

Os oficiais de registro civil também fazem um trabalho fundamental no momento do registro de nascimento, já que conversam com a mãe mostrando para ela que não é obrigatória a indicação do pai, mas que esse é um direito da criança. Além disso, é facultado a qualquer cidadão, que não tenha a paternidade formalizada em seu registro de nascimento, ou aos representantes legais de crianças e adolescentes, que procure o serviço de registro civil mais próximo, caso queira indicar, em qualquer idade, quem é seu suposto pai. O procedimento de averiguação de paternidade será iniciado em rito parecido com o que ocorre quando a mãe registra sozinha seu filho e indica a paternidade. 

 
Irpen/PR – As sessões de mediação e conciliação que ocorrem nas defensorias são efetivas em casos de reconhecimento de paternidade? 

 

Márcia Fidelis – Elas não ocorrem em todos os lugares. Se se tornassem uma política pública de caráter nacional seria muito melhor. Mas as defensorias públicas vêm prestando um trabalho muito positivo nesse sentido, porque fazem também mutirões locais por regiões em alguns estados, em outros as sessões de conciliação e mediação. O CEJUSC também tem feito esse trabalho. 

 
 
Irpen/PR – Em sua opinião, o que poderia ser feito para um movimento de conscientização dos homens em relação a falta de reconhecimento ou mesmo desconhecimento da paternidade? 

 

Márcia Fidelis – Campanhas de conscientização é o mais eficaz. Da mesma forma que as redes sociais estão prestando o serviço de colocar links para informações sobre eleição e sobre a Covid-19, poderiam fazer diferente, estudar um algoritmo que permita divulgação ampla, com links, explicações diretas e fáceis. A imprensa formal, televisão e rádio, devem fazer esse trabalho também, por iniciativa do Governo Federal, abrangendo públicos diferentes, alcançando o maior número de pessoas possíveis. 

 

Irpen/PR – Desde 2012 o procedimento de reconhecimento de paternidade pode ser feito diretamente em qualquer cartório de registro civil do país. Acredita que deveria ser algo mais explorado pelos próprios registradores? 

 

Márcia Fidelis – Com certeza. Muitos colegas já fazem esse trabalho informativo, tanto afixando cartazes nos locais de fácil acesso na recepção da serventia quanto prestando essa informação no balcão, ao telefone, por e-mail, quando se percebe que existe essa necessidade. 

 

Não se pode desconsiderar, porém, que algumas mães preferem não informar quem é o pai da criança por receios de várias naturezas. Algumas alegam que têm receio de violência, porque o pai é agressivo e ela tem medo de se aproximar. Outras afirmam que não confiam no pai para dividir o exercício do poder familiar, por diversos motivos, normalmente ligados a histórico de mal comportamento do pai. São situações reais, não muito raras, e que não se pode desconsiderar, diante de tantas histórias de violência doméstica. É um paradoxo que tem que ser considerado. 

 
Irpen/PR – A existência do pai biológico na certidão de nascimento do filho impede o reconhecimento socioafetivo da paternidade? 

 

Márcia Fidelis – Não, de forma alguma. O que pode ocorrer eventualmente é a recusa do pai biológico em dar anuência quando o filho é menor. Porque é um instituto novo e as pessoas têm receio do novo, do desconhecido. Muitas vezes essas situações são contornadas apenas com a orientação dos efeitos da multiparentalidade para todos os envolvidos. É um trabalho que faço com muito gosto e venho acompanhando que a resistência está diminuindo muito rapidamente. E está ficando mais recorrente as buscas por reconhecimento de parentalidade socioafetiva que resulte em multiparentalidade. 

 
 
Irpen/PR – Qual sua opinião sobre a atuação dos cartórios de registro civil do país em relação aos direitos civis? 

 

Márcia Fidelis – O trabalho do registrador civil é fundamental para o exercício da cidadania. Nossa atuação poderia ser muito mais ampla no atendimento ao cidadão caso existisse mais conhecimento pela população sobre a nossa atividade. E essa falta de informação muitas vezes parte dos demais profissionais do direito como advogados, servidores públicos, magistrados, promotores, que poderiam tornar o trabalho do registrador mais eficaz, de forma a atender melhor às necessidades da população. 

 

Fonte: Assessoria de Comunicação Irpen/PR