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Não há fundamentos para adiar vigência do novo CPC

Foi noticiada recentemente proposta de se postergar a entrada em vigor do novo CPC. Sob o argumento central de que, ao eliminar o juízo de admissibilidade prévio que é feito pelos tribunais de origem para os recursos aos tribunais superiores, o novo CPC ocasionaria um grande congestionamento de recursos nestas cortes, propôs-se que a vacatio legis do novo CPC, atualmente de um ano, fosse estendida para de três a cinco anos, de modo que os tribunais superiores pudessem se adaptar às novas regras.

A despeito da louvável preocupação com a preservação da real função dos tribunais superiores, há pelo menos dois problemas nessa proposição.

O primeiro problema está na premissa: embora o novo CPC tenha, de fato, eliminado o juízo de admissibilidade prévio dos tribunais de origem como regra geral para os recursos extraordinários (artigo 1.030, parágrafo único), há exceções fundamentais, como a inadmissão, pelo tribunal de origem, de recurso que ataque acordão que coincida com a orientação do tribunal superior (artigo 1.040, I), bem como de recurso sobre questão sem repercussão geral conforme orientação do STF (artigos 1.035, parágrafo 8º e 1.039, parágrafo único).

Além disso, mecanismos como o incidente de resolução de demandas repetitivas (artigos 976-987) e a própria suspensão de todos os processos em tramitação no país na pendência de recurso especial ou extraordinário repetitivo (artigo 1.037, II) são inovações do novo CPC que reduzirão drasticamente o número de processos que aportarão aos tribunais superiores, em especial quando estivermos diante de casos repetitivos. Estamos tratando, aqui, de dezenas de milhões de processos que, hoje, seja pela via direta dos recursos especial ou extraordinário, seja por meio de agravo contra sua negativa, acabam batendo às portas dos tribunais superiores e que, com o novo CPC, serão suspensos enquanto a questão é decidida em um único recurso ou incidente.

Ou seja, analisada a regra sob ataque em conjunto com o novo sistema processual, o que se vê é uma realidade bastante distinta. A tendência é a de que os tribunais superiores recebam um volume sensivelmente menor de recursos.

Não impressiona, ainda, o argumento de que um volume grande de reclamações (medidas destinadas a garantir a observância das decisões dos tribunais ou a competência destes) passariam a congestionar os tribunais superiores. Primeiro, por já serem admitidas hoje; segundo, por serem medidas de exceção, tendo em vista o efeito vinculante dos precedentes, previsto nos artigos 489, VI e 927 do novo CPC.

O segundo problema está no remédio proposto: da apresentação do anteprojeto do novo CPC em 2010, até sua sanção presidencial em 2015, passaram-se cinco anos de intensas discussões na academia, no legislativo e junto à sociedade civil. Adiar em outros cinco anos sua entrada em vigor para que os tribunais superiores possam se adaptar significa apenas adiar o suposto problema. Por outro lado, se o adiamento tem como objetivo buscar, por meio de projeto de lei avulso, a alteração do texto sancionado, deve levar em conta que as preocupações ora ventiladas não são novas, tendo sido amplamente discutidas e levadas em consideração nos debates que levaram à aprovação do novo CPC. Nada mudou, de lá para cá, para justificar um novo debate legislativo.

O novo CPC é uma grande e rara conquista da democracia. Já é tempo de usufruí-la.

* Guilherme Rizzo Amaral é advogado, integrante da Comissão de Juristas que auxiliou a Câmara dos Deputados no Projeto de Novo CPC, doutor em Direito (UFRGS).