Pelo registo do nascimento, feito na conservatória de Albergaria-a-Velha, Fátima Capucho nasceu a 29 de abril de 1960 e tem 56 anos. Têm mesmo? Quando tinha dez anos, Fátima percebeu que muito provavelmente não. Não é caso único, embora o dela seja mais confuso do que o da maioria das pessoas que conheceu que têm duas datas de aniversário: a do dia em que nasceram e a do registo feito pelos pais. A distância das conservatórias e as questões financeiras atiravam muitas vezes o registo para meses posteriores.
Renato Sanches foi o centro das atenções nos últimos dias quando um treinador francês colocou em causa a idade do jogador e o facto de o pai só o ter registado cinco anos depois de ter nascido. Na última década muito mudou: o Simplex trouxe para os hospitais os balcões Nascer Cidadão e desde então 637 mil bebês foram registados diretamente nos hospitais onde nasceram. E agora até já podem sair com o Cartão do Cidadão pedido.
O registo de nascimento é gratuito e não é obrigatório fazê-lo nos hospitais. Quem quiser pode continuar a ir a uma conservatória do registo civil, com o documento da maternidade, e fazer o registo dentro dos 20 dias a seguir ao nascimento. Os números tornam obvio que a preferência vai para o serviço mais perto, o balcão Nascer Cidadão. Cumprindo, aliás, o objetivo da medida: maior proximidade dos serviços e reduzir o tempo perdido. “Mais de 90% (636 817) dos bebês que nasceram nas 50 unidades hospitalares que dispõem deste serviço, entre março de 2007 e abril de 2016, foram registados na maternidade”, disse o governo, quando apresentaram o Simplex +, em junho.
Menos uma de uma década depois, uma nova simplificação para reduzir a “morosidade na emissão de documentos pessoais”: a possibilidade de pedir no mesmo balcão do registo de nascimento, no hospital, o cartão do cidadão. Está disponível há um mês na Maternidade Dr. Alfredo da Costa, hospital de Santa Maria, hospital Amadora-Sintra e CUF Descobertas. Fonte do gabinete do Ministério da Presidência e Modernização Administrativa adianta, ao DN, que já foram pedidos 407 cartões do cidadão. O levantamento do documento é feito na conservatória escolhida pelos pais, num prazo normal de oito dias úteis.
“A medida será executada em cerca de 50 unidades (todas as públicas e algumas privadas). O objetivo definido é que até ao final deste ano o serviço esteja disponível em 80% dos hospitais”, explicou a mesma fonte, acrescentando que em relação aos hospitais privados “para já, a iniciativa será executada nas que têm atualmente protocolo assinado para o serviço de registo de nascimento”.
Dos filhos, quis saber tudo
Fátima Capucho recorda como se fosse hoje o momento em que soube que não tinha nascido a 29 de abril. “Um dia fui a casa da minha tia e pedi-lhe flores para levar à professora porque ia fazer anos. E ela disse: “não fazes não. Não nasceste neste mês, mas sim no fim de setembro, início de outubro”. Fiquei escandalizada. Fui a correr para casa, para ver a cédula de nascimento. Era criança e só me preocupava com o dia.”
A tia já não tinha memória de mais dados que trouxessem alguma luz ao mistério. Apenas se lembrava que a mãe de Fátima estava no campo quando sentiu as dores do parto e que por isso seria final do verão. Quanto ao ano de nascimento, também não há qualquer certeza. “Não sei se foi 1959, 1958 ou 1957. Para a minha mãe era indiferente o ano em que tinha nascido”, aponta.
A realidade da altura é muito diferente da de hoje. “O registo era longe da localidade onde nascíamos, deviam ser uns 20 quilómetros entre Angeja [aldeia onde nasceu] e Albergaria-a-Velha. Não havia transportes públicos e tinham de ir a pé ou de carro de bois. Penso que pagariam multa se passasse um mês entre o nascimento e o registo. A minha família era pobre, vivia do que cultivavam. Pela cédula, os meus pais pagaram 19 escudos e 10 centavos”, conta Fátima.
Ainda hoje não fez as pazes com a data de nascimento oficial. “Celebro por causa dos meus filhos e se não usar o dia 29, não tenho mais nenhum. Com os meus filhos quis saber tudo com exatidão, até ao segundo. Do meu filho tinha um relógio à frente e da minha filha, tinha a minha cunhada para ver as horas”, lembra. Ambos nasceram num domingo e no dia a seguir, lá estava o pai na conservatória a fazer o registo.
Mais Simplex
O Simplex + incluiu uma outra medida, a ser aplicada no primeiro trimestre de 2017. O Ministério da Presidência e Modernização Administrativa explica que engloba quatro subiniciativas: “Nascer Utente, com a atribuição de médico de família na maternidade, notícia de nascimento digital, com a desmaterialização da notícia de nascimento, eBoletim de Saúde Infantil e Juvenil, que é a versão digital do boletim de saúde infantil e juvenil e o Boletim de Vacinas Eletrónico, acessível através do Portal SNS aos cidadãos e profissionais, incluindo os do setor privado, que permite o eficaz acompanhamento do Programa Nacional de Vacinação pela Direção-Geral da Saúde”.