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Portugal: E se na escola Maria pede para ser tratada por Manuel?

Associação quer que escolas aceitem mudança de nomes de crianças transsexuais. Ministério da Educação está a analisar a proposta.

A Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual (AMPLOS) propôs ao Ministério da Educação que as crianças transgênero possam usar, em ambiente escolar, um nome que esteja de acordo com o gênero com o qual se sentem identificadas, diz a sua presidente, Margarida Faria. Ao público, o ministério faz saber que a proposta está a ser analisada em conjunto com o gabinete da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade.

As crianças transgênero são aquelas cuja identidade de gênero — a identificação psicológica enquanto menino ou menina  — não corresponde ao sexo que lhes foi atribuído à nascença. Em 2013, a Alemanha tornou-se o primeiro país europeu onde é mesmo possível inscrever no Bilhete de Identidade de uma criança uma terceira opção para além de “feminino” ou “masculino”: “sexo indefinido”.

Em Portugal, o último apelo que chegou à AMPLOS, associação vocacionada para dar apoio a pais neste tipo de situações, veio de um rapaz de 15 anos. Pediu à escola para passar a ser tratado por um nome masculino, embora “oficialmente” tenha nascido do sexo feminino. Nesta decisão não foi apoiado pela mãe. “Ele teve a coragem de se apresentar à escola, a escola deveria reconhecê-lo”, defende a responsável da associação.

lei portuguesa apenas permite a mudança de identidade civil a partir dos 18 anos (no ano passado 70 adultos alteraram o sexo nos seu documentos de identificação). Existem actualmente duas propostas de lei sobre identidade de gênero, uma do Bloco de Esquerda, outra do PAN-Pessoas-Animais-Natureza, no sentido de fazer descer esta idade para 16 anos. A proposta do BE contempla mesmo a possibilidade de mudança de identidade civil para crianças, mas fá-lo “muito timidamente”, considera a responsável da AMPLOS.

Contudo, explica, a questão da identidade de gênero manifesta-se ainda na infância. “As pessoas transsexuais sabem que são do gênero oposto com quatro, cinco anos, o que não acontecia dantes era a liberdade de virem falar de si próprios no espaço público”, prossegue Margarida Faria. “Há crianças que já têm essa situação muito resolvida e têm de viver com o nome do gênero errado até aos 16 ou 18 anos, o que é muito complicado.”

São vários os pais “de crianças de expressão de gênero não binário” a pedir apoio, tanto que criaram um núcleo para a infância com uma página específica no Facebook da associação (Espelho Eu).

Verbalizar aos sete anos

A verbalização perante os pais pode acontecer aos sete anos, de forma clara. A partir desta idade há crianças aptas a fazer a sua transição social, diz Margarida Faria, assumindo-se com o gênero com o qual se identificam, razão pela qual a AMPLOS entende que os registos escolares deviam ter o nome da criança ajustado. “Isso é fundamental para a sua auto-estima e para a sua integração social.”

No final de Novembro a AMPLOS entregou ao Ministério da Educação a “Proposta de Adopção de Medidas nas Escolas face à Diversidade de Expressão e Identidade de Gênero na Infância”, onde reitera que, mesmo não sendo ainda possível às crianças mudar de nome no registo civil, é importante que sejam aprovados procedimentos para serem usados de forma uniforme em todas as escolas, permitindo que as crianças possam usar em ambiente escolar o nome ajustado à sua identidade de gênero. “Seria o primeiro passo. Já seria muito importante que a escola reconhecesse e que saiba o que são crianças ‘trans’, que se arranjasse meios para ouvir os miúdos, mesmo quando não são aprovados pelos pais.”

“Temos várias famílias nesta situação”, conta ainda. Neste momento, há pais de menores que têm de ir às escolas pedir para os filhos usarem o nome do “gênero sentido”, mas tudo depende “da abertura e boa vontade” da escola. Margarida Faria diz que “é da maior urgência uma medida definida pelo Ministério da Educação a ser cumprida pelos agrupamentos escolares, independentemente da boa-vontade”. Lembra por fim que há alguns países a permitir a mudança de nome ainda na infância (como Argentina, Malta e Noruega) e recorda o caso de uma mãe mexicana, que teve de ir para tribunal para conseguir a mudança de nome da filha quando esta tinha 9 anos.

National Geographic dá capa à menina transgênero

Mais recente é a polêmica em torno da revista norte americana National Geographic. Para o seu número de Janeiro quis fazer história escolhendo a imagem de uma criança transgênero, uma menina americana que nasceu oficialmente rapaz. Avery Jackson, a criança de nove anos do Kansas (EUA), diz orgulhosamente que a melhor coisa de ser rapariga “é não ter de fingir que é um rapaz”.

O número temático dedicado à “Revolução do Gênero” tem suscitado debate nos últimos dias e até levou a diretora da revista, Susan Goldberg, a ter de explicar porque escolheram aquela imagem de capa.

“Desde que partilhamos a nossa capa, milhares de pessoas deram-nos as suas opiniões, que foram desde a expressão de agradecimento e orgulho, até manifestações de fúria. Vários garantiram que iam cancelar as suas subscrições da revista”, admitiu.

“Estes comentários são uma pequena parte de uma discussão muito profunda que está a decorrer sobre as questões de gênero.” Num dos artigos deste número, para o qual foram visitadas crianças em vários países do mundo, Avery apresenta-se “como uma rapariga abertamente transgênero desde os cinco anos”, que conta com apoio dos pais que nada sabiam sobre o tema até se verem confrontados com ele.