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Metrópoles – Mulher trans consegue mudar sobrenome por sofrer transfobia na família

Moradora de Goiânia teve apoio da Defensoria Pública para buscar permissão judicial e mudar sobrenome após ser vítima de transfobia em casa.

 

Aos 41 anos, Walquíria Hiller de Oliveira conseguiu, finalmente, se reconhecer naquilo que a identifica no mundo. Aos 5, chegou a fugir de casa. Professora de história em Goiânia, a mulher trans encerrou, recentemente, a via-crúcis para alterar o sobrenome, que, segundo ela, carregava memórias de traumas e violência sofridos por parte dos próprios familiares. “Fui vítima de transfobia dentro de casa, desde criança”. 

 

Para se libertar dos vínculos familiares, Walquíria buscou a Defensoria Pública de Goiás (DPEGO) e, no último mês, conseguiu a mais recente mudança em seu registro civil via decisão judicial. A sentença garantiu a ela o direito de suprimir o sobrenome que lhe causava sofrimento em razão da transfobia sofrida na família durante a infância. 

 

Em 2018, a mulher trans já havia alterado o seu primeiro nome e o seu gênero no registro civil, após o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar a retificação desses dados no documento, mesmo sem a necessidade de cirurgia de mudança de sexo. 

 

“Machuca muito” 

 

A professora concedeu entrevista ao Metrópoles com a condição de não ter o antigo nome divulgado. “Isso me machuca muito, sinto uma dor muito grande”, desabafou. “Um dos maiores constrangimentos da minha vida era ter de assinar o nome antigo, porque era como se eu fosse a farsa de mim mesma”, lamentou, lembrando episódios de fuga de casa para tentar sair do labirinto de sofrimento. 

 

“Na primeira vez em que fugi de casa, aos 5 anos, fui andar na BR-153, e os vizinhos me acharam e me levaram de volta para minha mãe. Tentei fugir outras vezes porque a dor tomava conta de mim”, contou. Ela disse que nunca teve contato com o pai biológico e era negada pela família porque, desde criança, não se identificava com o gênero masculino. 

 

Na infância, Walquíria passava a maior parte do tempo em casa, isolada, no Conjunto Anhanguera, bairro na periferia da região sul de Goiânia. “Brincava que tinha doença e precisava fazer cirurgia para ficar igual a uma mulher. Só na escola, nas aulas de educação física, eu jogava com outras meninas. Quando eu brincava com os meninos, eu era obrigada a disfarçar”, afirmou. 

 

Além da negação que sofria de seus familiares, a mulher trans lembrou que a transfobia gritava aos ouvidos, com frequência, conforme ela mesma disse. “Minha família falava que eu era o problema do mundo, como se eu fosse uma pessoa que não estivesse dentro da normalidade, uma aberração”, relatou. 

 

“Problema do mundo” 

 

Com o passar dos anos, Walquíria usou a violência que sofria dentro de casa como estímulo para, sozinha, encontrar forças e sair daquela situação que poderia levar a sua vida a um abismo. “Como falaram para mim que eu era o problema do mundo, comecei, então, a estudar o mundo”, acentuou. 

 

Ela sabia que não poderia dar um passo maior sem conquistar, antes, sua independência financeira. Aos 18 anos, concluiu o ensino médio. Aos 23, ingressou no curso de história da Universidade Federal de Goiás (UFG), região norte da capital, até onde pedalava 17 quilômetros por dia para chegar à sala de aula. 

 

Aos 26, um ano antes de concluir a graduação, assumiu o cargo da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia após passar em concurso público. Deixou esse posto, aos 28, assim que foi empossada como professora da rede municipal da cidade. 

 

“Quando terminou meu estágio probatório no concurso da educação da prefeitura e me tornei servidora estável, cheguei a falar para a diretoria que iria trocar de escola para me assumir, e ela disse para eu ficar porque iria me dar apoio”, lembra. “Pessoas próximas, no local de trabalho, sempre me respeitaram”, ponderou. 

 

Sala de aula 

 

Como sabe que pode ser alvo de novas críticas relacionadas à formação de alunos, Walquíria ressaltou que não faz “doutrinação” durante as aulas. Segundo ela, todas as versões e abordagens de um fato são expostas e explicadas em sala, para que os alunos tirem as próprias conclusões deles. 

 

“Isso não me impede de buscar o direito ao nome e ao gênero adequados nos documentos, fundamental para pessoas transexuais e transgêneros terem o direito de viver. No caso de mulheres transexuais, a situação é muito mais dramática. A esmagadora maioria ainda está na prostituição não é só porque quer, mas porque é a única profissão em que não se precisa mostrar um documento”, afirmou. 

 

Apesar de ter acabado a via-crúcis para mudar o seu primeiro nome e o sobrenome, a professora disse que agora enfrenta uma batalha com algumas empresas, que, segundo ela, insistem em chamá-la pelo nome antigo, por se recusarem a fazer a mudança no banco de dados, mesmo após a decisão judicial. 

 

Além disso, Walquíria disse esperar que sua história sirva de sensibilidade para que outras famílias fiquem mais atentas à condição de suas crianças. “Muitas famílias ainda negam, batem, isolam ou repreendem seus filhos ao verem um comportamento que julgam como diferente, sem se preocupar em entender as situações deles”, ressaltou. 

 

Fonte: Metrópoles